segunda-feira, 21 de março de 2016

Dia da Poesia

O dia deu em chuvoso
A manhã, contudo esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste
O dia deu em chuvoso.
Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros- isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego. Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego. Não exageremos!
Tenho efectivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias…
É preciso ser-se criança para os ter…
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer…
Quando foi isso? Não sei…
No azul da manhã… O dia deu em chuvoso.

Álvaro de Campos
Heterónimo de Fernando Pessoa

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